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https://d1y502jg6fpugt.cloudfront.net/42521/archive/files/efed14d5231d9ecf8c9a854be7692837.pdf?Expires=1712793600&Signature=ORQZKCCFnxSjGWDlyWW%7EfbeJ3fcHLvE6SGIy2uD4eEX75OjFcJ2WbrF9WtZ-ZpRcuvznq4rqKOuvBPeHZndslMEWoiux4ganJ6CI50UGSCrI3HOsm56%7E8PGra5M6Xur9h3p9vRDahxEeU9C9s7932lAe9BXlNl9om0o%7EBc43Vy3aRFvFILyfvQXyAzAjln2js8cdfdSpwl2RveC3VY0x3fCBw6kcUf5cxfo4A%7EqutitM9QFHC8vEjQz7pWIMcYygzhHO%7Eq0wGnf37DRxuOGxSKEICPGh%7EZmPmMvXwn81wWW1lOuU%7Ec%7EPiyyLEfMOFGf-7VIlxHcLpiIZIbaMJpFCRg__&Key-Pair-Id=K6UGZS9ZTDSZM
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Encontros Pessoais
com Jesus Cristo
Pe. E. Edward Kinerk, SJ
Tradução: Anna Margarida Nogueira
Studies in the Spirituality of Jesuits 48/3 (outono de 2016)
Conferência dos Jesuítas de Canada e dos Estados Unidos
Washington, DC, EUA
1
�Acredito que este livro breve, ‘Encontros Pessoais com Jesus
Cristo’ escrito pelo Pe. E. Edward Kinerk, SJ pode ajudar muitos
cristãos leigos a desenvolver uma vida espiritual de maior
amizade e intimidade com Jesus ressuscitado.
É o número 48/3 (outono de 2016) da série Estudos na
espiritualidade de jesuítas (Studies in the Spirituality of Jesuits),
publicados pelo Instituto para Estudos Jesuítas Avançados em
Boston College, e disponível no site
https://www.bc.edu/bc-web/centers/iajs/digitalprojects/Studies-in-the-spirituality-of-Jesuits.html.
Esta série de Estudos é dirigida a jesuítas, mas muitos fascículos
têm grande utilidade para leigos também, especialmente leigos
de espiritualidade inaciana.
O Pe. Barton T. Geger, SJ, redator chefe da série, gentilmente
autorizou a tradução e divulgação em português deste ensaio.
Pode ser copiado e divulgado livremente, desde que seja incluída
a atribuição à Studies in the Spirituality of Jesuits, mas não pode
ser vendido. Agradeço tanto ao Pe. Geger pela autorização como à
Sra. Anna Margarida Nogueira pela sua tradução excelente.
Bom proveito, nas conversas com Jesus!
Pe. Paul Schweitzer, SJ (revisor da tradução)
Trechos da apresentação do Pe. Geger
“Neste fascículo, “Encontros Pessoais com Jesus Cristo”, Pe. E.
Edward Kinerk (UCS) reflete sobre como cultivar, por meio dos
princípios encontrados nos Exercícios Espirituais, um
relacionamento mais íntimo com Jesus. Seu ensaio é um bom
exemplo de como um texto dirigido a jesuítas pode falar a todos.
2
�“Na Contemplação para alcançar o Amor, S. Inácio descreve nosso
amor por Jesus – e seu amor por nós – como uma “comunicação
mútua”, em que cada lado compartilha com o outro o que são e o
que possuem. No meu entender é aí que o ensaio de Pe. Kinerk
brilha. Na sua essência, ele nos guia por uma meditação inaciana
com esta mais íntima imagem. Nossa memória, nosso intelecto e
nossa vontade terão cada um a sua voz nestas páginas.”
Pe. E. Edward Kinerk (da Província Centro-Sul dos jesuítas nos
EUA) ingressou na Companhia de Jesus em 1966 e foi ordenado em
1972. Três anos depois obteve um doutorado em Teologia
Espiritual pela Universidade Gregoriana de Roma com uma
dissertação sobre C. S. Lewis. Exerceu as funções de mestre de
noviços, diretor de formação e provincial e foi reitor da
Universidade Rockhurst em Kansas City. Atualmente dirige a Casa
de Retiros Sagrado Coração em Sedalia, no Colorado, EUA.
3
�Encontros Pessoais com Jesus Cristo
Conversas breves, aparentemente banais entre amigos ou
namorados na verdade contêm veladas expressões costumeiras de
intimidade, auto-revelação, doação, vulnerabilidade, conforto e
promessa. A contemplação sobre estas verdades da vivencia
cotidiana, e sua aplicação à oração, enriquecem nosso sensação de
estar em um relacionamento pessoal com Jesus Cristo.
I. Introdução
Ha vários anos atrás, me pediram para dar uma palestra
sobre espiritualidade para um grupo e adultos recém batizados.
Concordei e dirigi uns oitenta quilômetros até a paroquia que me
havia convidado. Infelizmente nevou naquele dia e quando
cheguei me informaram que a palestra havia sido cancelada.
Tentaram entrar em contato comigo mas eu já havia deixado a
casa de retiro, sem levar o meu celular. As únicas pessoas que
estavam lá eram os funcionários que trabalhavam com o grupo.
Conversamos amavelmente por alguns minutos até que um deles
perguntou se eu poderia compartilhar com eles o teor do que
havia preparado para a palestra. Concordei, e depois de cinco
minutos do meu resumo, uma deles comentou em tom meio
desanimado “Oh, é aquela coisa sobre relacionamento com
Cristo”. Fiquei desconcertado, especialmente quando ninguém
estranhou o comentário dela, mas não demonstrei e disse “Bom, o
que você esperava de um jesuíta?”
Não era um assunto de grande debate na época, mas o
comentário me marcou, e comecei a perceber que muitos
católicos não costumam pensar em termos de um relacionamento
com Cristo. Certamente, muitos ou a maioria – senão todos – os
jesuítas acham difícil não ter consciência desse relacionamento
4
�quando falam sobre suas vidas espirituais, nem quando falam
com outras pessoas sobre as deles. Porém eu achava difícil
imaginar que um relacionamento com Cristo não fosse de alguma
forma um fator consciente na vida de todo cristão.
Então o Papa Francisco entrou na vida plena da Igreja. Sua
primeira mensagem para nós foi sua maravilhosa exortação
apostólica Evangelii gaudium, “A alegria do Evangelho”’. Em
alguns aspectos, o documento é bem fácil de resumir. A primeira
frase diz “a alegria do Evangelho enche os corações e as vidas de
todos que encontram Jesus.1” Em seguida, no oitavo paragrafo, ele
escreve, “pois se recebemos o amor que devolve o sentido às
nossas vidas, como podemos deixar de compartilhar esse amor
com os outros?2”
Em resumo, nós devemos conhecer o amor e a alegria de
Cristo e compartilhá-lo com os outros! Só para ter certeza de que
todos entenderam a mensagem – e encontram a mesma alegria
que o Papa Francisco evidentemente encontra – ele escreve no
terceiro parágrafo:
“Convido a todos os cristãos, em toda parte, neste momento,
para um encontro pessoal renovado com Jesus Cristo,
ou pelo menos a se abrirem para deixar ele os encontrar;
Peço a todos vocês que façam isto todo dia sem falta.
Ninguém deve pensar que este convite não lhe é dirigido,
pois ninguém é excluído da alegria trazida pelo Senhor.”3
Aqui o Papa exorta todos os cristãos “a um encontro pessoal
renovado com Jesus Cristo... a cada dia sem falta”. Bem, eu não
Evangelii gaudium, 1.
2 Evangelii gaudium, 8.
3 Evangelii gaudium, 3.
1
5
�duvido que todo jesuíta tem e valoriza um relacionamento com
Cristo. Seria impossível fazer os Exercícios Espirituais sem passar
a conhece-lo melhor e sem nos compartirmos com ele, pelo
menos nos colóquios. Além do mais, nos denominamos
ousadamente companheiros de Jesus. Neste ensaio, gostaria de
propor uma forma de aprofundar esse relacionamento ao colocar
a determinação do Papa de nos encontrarmos diariamente com
Cristo em diálogo com o preceito de S. Inácio de Loyola (14911556) de “encontrar Deus em todas as coisas”. Quero oferecer
algumas considerações sobre como encontrar Cristo com
frequência em meio a uma vida apostólica agitada, e a minha
esperança é que isto poderá beneficiar qualquer cristão que,
como a maioria de nós jesuítas, está envolvido pelo barulho e a
agitação do nosso mundo contemporâneo.
S. Inácio, ele próprio um místico, valorizava a oração; porém
era cuidadoso ao não permitir que orações prolongadas se
tornassem a vocação jesuíta, ou mesmo a única maneira pela qual
um jesuíta deveria buscar o Senhor. Nesse ponto, ele notou que,
para um jesuíta com liberdade interior, “um quarto de hora basta
para unir (aquele jesuíta) a Deus em oração.4 A seguir, nas
Constituições, Inácio escreveu que seminaristas devem alocar
uma hora diária para dois “examens”, o Ofício de Nossa Senhora,
e quaisquer outras orações para preencher o tempo.5 Quanto a
encontrar Deus em todas as coisas, em certa ocasião ele
perguntou a um jesuíta, que lhe contou que encontrava Deus
principalmente na solidão e ao orar em particular, “Como assim?
Você não encontra proveito no auxílio ao próximo? Pois esta é a
nossa prática.”6
Luís Gonçalves da Câmara, Memoriale, n. 196, in Fontes narrative de S. Ignatio de
Loyola et de Societatis Jesus initiis (daqui em diante FN), 4 volumes (Roma, 1943-65), I,
644. Tradução do Autor.
5 Cons. 342
6 Gregorius Rosephius, FN, III, 515. Tradução do Autor.
4
6
�Neste sentido, S. Inácio rezava formalmente, mas também
encontrava Deus várias vezes ao longo de um dia agitado,
incluindo nos momentos em que ajudava ao próximo. O biografo
jesuíta Pedro de Ribadeneira (1527-1611), ao descrever a prática
do fundador escreveu:
“Nós o víamos frequentemente tomado pela visão de
pequenas coisas para elevar sua mente a Deus.... Ao ver uma
planta, uma folhagem, uma folha, uma flor, qualquer fruta,
considerando uma pequena minhoca ou qualquer outro animal,
ele se elevava acima dos céus e penetrava os pensamentos mais
profundos.... E ele desejava que todos na Companhia se
acostumassem a encontrar a presença de Deus em tudo e que
aprendessem a levantar seus corações não apenas em oração
particular mas também durante todas as suas ocupações,
desempenhando-as e oferecendo-as de tal forma que eles não
sentiriam menos devoção em ação do que em meditação.”7
Sem dúvida, encontrar Deus em todas as coisas tem uma
conexão direta com a construção de nosso relacionamento com
Cristo.
Nos parágrafos abaixo vou apresentar o desejo de S. Inácio
utilizando a linguagem de relacionamentos e encontros. Começo
salientando alguns ingredientes importantes de encontros
humanos e aplicando-os aos nossos encontros com Cristo. Sugiro
então que, como S. Inácio usava as mínimas coisas e os mínimos
momentos para elevar sua mente para Deus, nós também
podemos tirar alguns momentos aqui e ali do nosso dia agitado
para encontrar Deus e assim enriquecer nosso relacionamento
com ele. Ao fazer isso podemos crescer na percepção da sua
presença amorosa, que por sua vez poderá nos trazer uma
experiência cada vez mais profunda daquela felicidade
7
Pedro Ribadeira, Vita Ignatii Loyola, in FN, IV, 743. Tradução do autor.
7
�mencionada pelo Papa Francisco e que ele demonstra tão
maravilhosamente na sua pessoa.
II. O Que é um Relacionamento com Cristo?
Existem muitas maneiras de falar sobre um relacionamento
com Cristo. Ele é o nosso criador, portanto temos uma relação
com ele. Ele é um de nós, portanto temos uma relação com ele.
Ele é nosso redentor, portanto temos uma relação com ele. Neste
artigo porém, quero ressaltar o termo relacionamento, pois
quando falo de um relacionamento com Cristo falo de um
relacionamento pessoal. Por relacionamento pessoal quero dizer
um relacionamento entre pessoas no qual existe uma troca mútua
de preocupações e interesses pessoais. Neste sentido, por
exemplo, um relacionamento de negócios compartilha interesses
e preocupações mas não é necessariamente pessoal, já que os
interesses e preocupações podem não ser pessoais. Por outro
lado, dois amigos compartilham o que é significativo para eles
pessoalmente e portanto tem um relacionamento pessoal. Ao
longo deste artigo, quando uso o termo relacionamento, estou me
referindo a um relacionamento pessoal.
Espera-se que a maioria dos cristãos tenha uma consciência
mínima de que, até certo ponto, temos um relacionamento
pessoal com Jesus Cristo. A questão passa então a ser como
manter e melhorar esse relacionamento. E ainda, para a maioria
das pessoas é uma questão de manter e melhorar esse
relacionamento no meio do mundo agitado em que vivemos e
trabalhamos. Assim, como a dimensão mais importante de
qualquer relacionamento são os encontros com o outro, este
artigo enfoca o que significa melhorar o nosso relacionamento
com Cristo por meio de encontros frequentes com ele. É
exatamente isso que o Papa Francisco nos encorajou a fazer na
Evangelii gaudium, e Francisco também cita seu predecessor,
8
�Bento, em referencia à importância destes encontros: “Ser cristão
não é o resultado de uma escolha ética ou uma ideia elevada, e
sim o encontro com um acontecimento, uma pessoa, que traz um
novo horizonte e uma direção decisiva à vida.” 8
________________________________________________________________________
Leva apenas um segundo para dizer “Eu te amo”, mas essas
poucas palavras podem dar enorme significado a um brevíssimo
encontro.
III. Elementos de um Encontro com Cristo
Um dos componentes mais importantes na construção de
um relacionamento pessoal é o tempo que passamos com a outra
pessoa – ou seja, os encontros pessoais. A verdade é que o
impacto de qualquer encontro nem sempre depende da
quantidade de tempo que se passa junto. Leva apenas um
segundo para dizer eu te amo, mas essas poucas palavras podem
dar um enorme significado a um brevíssimo encontro. Eu sugiro
que devemos aumentar o número de encontros que temos com
Cristo diariamente; porém não quero dizer que devemos
acrescentar períodos de oração ao nosso dia. Não vou nem
chamar esses encontros de oração, seja porque eles não
substituem nossa prática diária de oração, como também porque,
como explicarei mais adiante, nossa oração diária é importante
para esses encontros adicionais. Além do mais, como não tomam
muito tempo – geralmente apenas alguns segundos, como S.
Inácio descobrindo Deus em todas as coisas – podemos
acrescentar um bom número deles ao longo do nosso dia sem
grande esforço.
Evangelii gaudium, 3; Deus caritas est (25 de Dezembro 2005), n.
1: AAS 98 (2006), 217, in Evangelii gaudium, 7.
8
9
�Vamos tomar como exemplo um típico encontro entre
pessoas. Imaginemos dois bons amigos se encontrando para
almoçar. Enfoco três coisas: conexão, compartilhamento de
significado, e palavras de promessa.
Jorge e Tom são amigos de infância e decidiram se
encontrar para almoçar em um simpático restaurante italiano.
Entram no estacionamento ao mesmo tempo, saltam dos seus
carros e andam em direção um ao outro. Ao se aproximarem, as
primeiras palavras de Jorge são: “Tom, o campeonato é na semana
que vem, você acha que temos chance com o craque do nosso time
machucado?”. E Jorge passa a falar das chances do time pelo qual
torce. Mas enquanto Tom pode também ser torcedor do mesmo
time e estar igualmente preocupado com o campeonato, foi pego
desprevenido naquele momento. Em vez de comentar o
campeonato, Tom solta um “Oi Jorge! Tudo bem? Bom te ver! “ E
talvez ele estivesse esperando que Jorge o cumprimentasse de
forma parecida.
Então porque isto é importante? É quase uma fórmula que
Jorge e Tom estariam dizendo um para o outro: “ Oi Jorge/Tom –
bom te ver! Porque não poderiam apenas começar a falar sobre o
campeonato ou qualquer outra coisa que tivessem em mente?
Apesar de provavelmente não nos darmos conta, o motivo é
simples: Jorge e Tom só passam a estabelecer uma conexão entre
si depois de executarem uma espécie de ritual de cumprimentos.
O “Oi, bom te ver” de Tom, e a resposta semelhante de Jorge, são
muito mais do que uma simples fórmula. Estão se dizendo
mutuamente : “Eu percebo você; nós estamos no espaço um do
outro e isso é bom”. A palavra chave aqui é percepção: Tom está
dizendo a Jorge que o percebe e Jorge está dizendo o mesmo para
Tom. Agora eles estão no espaço um do outro e ambos percebem
isso. Agora eles estão conectados. Isto é muito importante, e eu
uso isso mais adiante em encontros com Cristo.
10
�Jorge e Tom agora estão conectados. Eles se dirigem ao
restaurante, conversam sobre seu time, suas famílias, trabalho, e
várias outras coisas. No meio da conversa surgem assuntos que
são profundamente importantes para eles. Podem ser
acontecimentos ou pensamentos reconfortantes, ou podem ser
preocupantes ou até trágicos: mas se Jorge e Tom são mesmo
bons amigos, eles vão compartilhar o que é verdadeiramente
importante para cada um. Talvez a mulher de Jorge tenha sido
diagnosticada com câncer ou o filho de Tom esteja para se formar
no doutorado. Pode ser algo bom ou ruim; mas é muito provável
que Jorge e Tom falem de alguns assuntos pessoais significativos
para eles, e cada um leva muito a sério o que o outro diz.
O almoço vai terminando, Jorge olha para o seu relógio e fala
“Nossa, tenho que pegar o meu neto no aeroporto, vou ter que ir
daqui a pouco.” Nesse momento os dois não se levantam correndo
e saem na hora: eles seguem um ritual. Eles terminam de falar
sobre o que estavam conversando, pagam a conta e andam até o
carro mais próximo, onde então se despedem. Antes de chegarem
a dizer adeus, Tom fala “Jorge, senti muito saber sobre o câncer de
sua mulher; estarei rezando por vocês.” E Jorge poderá dizer a
Tom, “Parabéns para o seu filho; eu sei que o sucesso dele é muito
importante para você.” Todos nós fazemos isso em situações
parecidas. Não nos damos conta, mas ao final de um bom papo de
almoço, quando estamos nos despedindo, quase sempre
relembramos algum assunto da conversa com mais ênfase.
Geralmente algo mais significativo. Mas porque fazemos isso? Por
um lado é uma maneira de dizer Eu realmente estava escutando
você; nós estávamos conectados. Por outro lado, é uma promessa
para o futuro: Nós vamos continuar esta conversa; nossa conexão
tem um futuro.
11
�Claro que existem diferenças marcantes entre uma relação
com um amigo próximo e nossa relação com Cristo. Afinal, Cristo
é Deus e não nos encontra em forma física como nosso amigo.
Dito isto, existem alguns paralelos importantes, pois enquanto
Cristo também é Deus, nós somos apenas humanos e devemos
nos relacionar com os outros, incluindo Cristo, como humanos.
Ao desenvolver um método para estes breves encontros com
Cristo ao longo do nosso dia, podemos focar nos três elementos
relacionados de conexão, compartilhamento de significado e
palavras de promessa.
A. Conectando
Em nossos encontros com Cristo é importante que nos
conectemos com ele conscientemente. Apesar de ele estar sempre
presente e consciente de nós, devemos fazer a nossa parte para
que essa conexão ocorra, e o fazemos da mesma forma que Jorge
e Tom estabeleceram a deles. Talvez não vamos usar as mesmas
palavras – Oi Cristo, tudo bem? – mas precisamos sim nos
conscientizar que Cristo está presente e que ele está consciente
de nós. Isto se assemelha a nos colocarmos na presença de Deus,
mas existe uma diferença significativa: ou seja, eu me
conscientizo não apenas de que Cristo está presente mas que
Cristo está consciente de mim. Certo, Cristo está sempre presente
em toda parte, e ele é ciente de todos e de tudo. Mas eu preciso
me conscientizar explicitamente disso quando me conecto com
ele. Devo imaginar que estou recebendo a atenção exclusiva de
Cristo, o que posso fazer porque a atenção de Cristo é infinita. E
não preciso necessariamente usar palavras para fazê-lo. Uma
maneira simples consiste no uso da palavra de Jesus a Maria
Madalena depois da Ressureição, quando ela pensou que Jesus
era o jardineiro. Ele disse carinhosamente: “Maria” (João 20:16).
Da mesma forma, podemos imaginar Jesus pronunciando o nosso
12
�nome carinhosamente. Ao fazer isso eu estou consciente dele, e
me torno ciente de que ele está consciente de mim.
Mas quanto tempo isto deve levar? Alguns segundos, não
mais do que isso. Quando Tom e Jorge se cumprimentam, não
ficam se repetindo até acertarem. Eles o fazem e seguem adiante.
Porém, depois de fazer o mesmo com Cristo, posso achar que
quero permanecer naquele momento de conscientização um
pouco mais ou até por um período mais longo, se as
circunstâncias permitirem. E quando devo fazê-lo? Quando
estiver rezando – ou mesmo em qualquer momento que quiser
encontra-lo – seja apenas por alguns segundos ou, como nas
minhas orações diárias, por muito mais tempo. Pessoalmente
tenho notado que estabelecer essa rápida conexão no início das
orações diárias, além dos rápidos encontros mais frequentes, traz
uma consciência da Sua presença que perdura até quando minha
atenção está voltada para outras coisas.
Santo Inácio faz algo semelhante com a Oração Preparatória
nos Exercícios Espirituais.9 Ao nos dirigirmos a Deus logo no início
da nossa oração, estamos de fato nos conectando com Deus ao
nos conscientizarmos tanto de Deus quanto de sua consciência de
nós. A diferença é que nos Exercícios, S. Inácio dá uma nuance
especial a essa conscientização ao nos fazer pedir que tudo seja
orientado para Deus em um movimento de liberdade espiritual.
Em contraste, nos encontros frequentes que discuto aqui, a
ênfase é primeiro sobre a conscientização em si: Eu me
conscientizo de que ele está consciente de mim. Nuances
específicas, tais como a liberdade espiritual, podem então fluir
dessa conscientização durante o encontro e até receber uma
Ex. Esp. 46. Santo Inácio solicita ao exercitante começar cada meditação ou
contemplação com uma Oração Preparatória pedindo a “Deus nosso Senhor pela graça
de que todas as minhas intenções, ações e operações, sejam direcionadas apenas ao
louvor e serviço de sua Majestade Divina”.
9
13
�expressão concreta nas palavras de promessa ao final do
encontro.
B. Compartilhando o Significado Pessoal
Em nosso relacionamento com Cristo, nós compartilhamos
nosso significado pessoal com ele e ele compartilha o dele
conosco. Como nosso significado envolve o que quer que seja
importante para nós em determinado momento, não precisamos
debatê-lo longamente aqui. Entretanto, vale notar que a intenção
clara dos Exercícios Espirituais é de nos ajudar a saber o que
realmente queremos ao invés daquilo que talvez achamos que
queremos.10 Nos termos do nosso relacionamento com Cristo,
isto significa que às vezes o estar em Sua presença traz a
liberdade interior de se desligar de preocupações menos
importantes e se voltar para outras mais profundas. Em outras
palavras, eu posso sair de um encontro até curto com Cristo com
uma perspectiva muito diferente sobre o que tem significado
pessoal para mim.
Por outro lado, podemos nos perguntar o que tem
significado pessoal para Cristo. Santo Inácio se volta para
essa mesma questão nos Exercícios. No Terceiro Preâmbulo e ao
longo da Segunda Semana, ele estimula o participante do retiro a
pedir um “conhecimento mais íntimo de Nosso Senhor, que se
tornou humano para mim, para que eu possa amá-lo mais e seguilo mais de perto”11 De fato, é impossível ter um relacionamento
significativo com alguém sem passar a conhecer e apreciar aquela
pessoa cada vez mais e compreender o que essa pessoa considera
significante. O mesmo é verdade para o nosso relacionamento
com Cristo. Quanto mais nos aproximamos dele, mais apreciamos
10
11
EE 1.
EE 104.
14
�quem ele é e o que ele fez por nós, e mais queremos nos envolver
com ele.
As próximas três seções discutem o significado pessoal de
Cristo em relação a três temas: (1) confiando que Cristo me ama,
(2) conhecendo Cristo e apreciando Suas maneira de ser, e (3)
vestindo a mente de Cristo.
1. Confiando em ser amado/a por Cristo
Pode parecer estranho a princípio, pensar na minha própria
compreensão de que sou profundamente amado por Cristo como
sendo pessoalmente significativo para ele. Por outro lado, se
Cristo deu a sua vida por cada um de nós, então ele iria querer
que soubéssemos e apreciássemos o quanto ele nos ama. Mas
acreditar que isto é verdade e interiorizar isso de fato são coisas
bem diferentes.
Após muitos anos dando direcionamento espiritual, ouvindo
as histórias de várias pessoas, incluindo jesuítas e acompanhando
retiros, não tenho dúvida de que é difícil para todos nós confiar
que somos de fato amados por Deus. Lembro que há uns seis anos
atrás eu estava rezando em um balanço na casa de retiros onde
trabalho. Como sou um administrador inveterado, minha oração
estava sendo distraída por coisas que eu precisava fazer.
Finalmente, depois que a meia hora terminou, eu usei o meu
celular para ligar para o meu escritório para deixar uma lista de
afazeres para mim mesmo. Devo confessar que sempre acho
estranho telefonar para mim mesmo. Quando a secretaria
eletrônica atendeu eu falei meu costumeiro “Ah, sou eu”, depois
disse a minha lista de três coisas (são sempre três). Depois veio a
parte difícil. Por mais que já tenha feito isso várias vezes, sempre
me parece grosseiro desligar sem dizer tchau, mas porque eu me
despediria de mim mesmo? De qualquer forma, dessa vez – e
15
�ainda me arrepio quando me lembro – eu disse, como despedida,
“E não esqueça que Cristo te ama.” Depois, sobressaltado,
desliguei.
Na manhã seguinte, quando cheguei ao meu escritório a luz
do telefone estava acesa, avisando que havia uma mensagem de
voz. Havia várias mensagens. Escutei atentamente e fui anotando
as primeiras. Então uma voz estranha – nunca reconheço a minha
voz em uma gravação – surgiu. Por um micro segundo eu pensei:
Quem é essa pessoa mal educada? Mas logo me dei conta que era
eu. Escutei a mensagem do dia anterior e tomei notas. Quando
terminei de anotar a lista lembrei das palavras de despedida que
eu havia deixado no dia anterior, nesse momento quase deletei a
mensagem. Felizmente algo me impediu e me obriguei a me
escutar dizendo a mim mesmo que Jesus me amava. Acabei
deixando a mensagem na secretária eletrônica durante vários
meses e em uma ou duas ocasiões, me forcei a ouvi-la de novo.
Cada vez que a escutava, me sentia incomodado; mas achava
avassalador que apesar de ter passado a minha vida garantindo
às pessoas que Deus as amava, eu ainda tinha dificuldade em
acreditar que fosse verdade para mim.
Porque acho tão difícil acreditar nisso? Não sei dizer ao
certo, mas acho que tem muito a ver com o fato de que não
podemos conquistar ou merecer o amor de Deus. É pura doação e
portanto está além do nosso controle. Certamente, o amor de
alguém nunca é plenamente conquistado ou merecido, nem
tampouco controlamos o sermos amados por outros. Porém, isso
provavelmente não nos incomoda tanto. Por certo, outros seres
humanos não são Deus, mas mesmo assim os amamos. Talvez
exista um outro motivo, que possivelmente não quero admitir
totalmente, nem para mim mesmo: o amor pode ser assustador, e
amor infinito pode ser muito assustador. Por que? Porque o amor
sempre exige uma resposta. Se alguém chega perto de mim e diz:
16
�Estou loucamente apaixonado por você, e quero você, não posso
apenas balançar a minha cabeça, falar sobre o tempo e me afastar.
Preciso responder, e responder de tal forma que ou rejeito a
oferta de amor dessa pessoa – Sinto muito, mas não estou
interessado – ou faço algo que vai encorajar o prosseguimento de
um relacionamento. O amor de Cristo não é diferente, exceto que
a enorme dimensão do seu amor exige uma resposta, uma
resposta cada vez mais forte da minha parte: seja uma resistência
feroz ou uma entrega profunda. Talvez para não resistir enquanto
ainda sinto medo de uma entrega profunda, prefiro manter a
minha consciência desse amor a uma certa distancia.
Em relação a essa questão, a sensação crescente ou até a
experiência concreta da presença constante e amorosa de Cristo
ao longo do dia, não pode deixar de trazer uma confiança
crescente de que somos amados, e um medo atenuado desse
amor. Lembro de uma ocasião ha pouco tempo quando trouxe à
mente sua presença e de alguma forma pensei: Será que estou me
enganando? Porque Você gostaria de estar comigo? Nesse instante
veio o pensamento de volta, com uma ponta de humor: Oh pelos
céus, Ed, eu dei a minha vida por você! Como pode pensar que não
quero estar com você?
Em resumo: quanto mais tempo passamos com o amante,
mais garantias recebemos de que somos amados; e mais
queremos sentir esse amor. Além disso, é importante que
quando nos tomamos consciência de sua presença, nos tomemos
consciência que ele está amorosamente ciente de nós.
Finalmente, nunca devemos deixar momentos de vergonha ou
culpa nos afastar desses encontros; certamente são as ocasiões
em que mais os necessitamos.
17
�2.Conhecendo Cristo e Apreciando Sua Maneira de Ser
Quando desenvolvemos um relacionamento profundo com
uma outra pessoa, passamos a saber cada vez mais sobre ela e
sua maneira de ser. O mesmo acontece em nosso relacionamento
com Cristo. Naturalmente não precisamos nos preocupar com
Cristo passando a nos conhecer. Ele nos conhece, apesar de às
vezes ser benéfico termos a experiência de nos compartilharmos
conscientemente com ele. Quero oferecer aqui algumas
pensamentos sobre como podemos conhece-lo, pois tal como um
casal traz uma longa história para cada encontro, nós também
trazemos uma história e um conhecimento de Cristo para cada
novo encontro. A seguir eu exploro três formas pelas quais
passamos a conhecer Cristo que continuam a renovar e nutrir
nosso conhecimento sobre ele durante nossas vidas: a
comunidade cristã, as Escrituras e a experiência pessoal.
a. A Comunidade Cristã
A comunidade cristã, compreendida como sendo o povo de
Deus, é o lugar onde nosso conhecimento de Cristo se inicia, se
nutre e se confirma. Seria impossível neste curto artigo analisar
em detalhes como a comunidade cristã molda nosso
conhecimento de Cristo, mas podemos desenvolver alguns
elementos básicos. Primeiramente, a maioria de nós aprendeu
com outras pessoas sobre Cristo, antes de ler sobre ele nas
Escrituras e ter uma experiência pessoal. Até a experiência de
Cristo que tivemos na infância foi moldada e nutrida por outras
pessoas, especialmente as da nossa família. À medida que
crescemos no nosso conhecimento de Cristo, companheiros
cristãos continuam a nos apoiar e a desafiar esse conhecimento.
Basta apenas lembrarmos dos cristãos cujas histórias lemos nos
Atos dos Apóstolos. São Paulo e outros sentiram o Espírito de
18
�Cristo dentro de si mas em seguida precisaram buscar a
comunidade para dar forma e significado àquela experiência.
Desenvolvendo este ponto, note que existem várias
maneiras pelas quais recebemos ajuda da comunidade cristã. A
mais óbvia é através da participação em atividades da Igreja,
especificamente a celebração da Eucaristia. Para jesuítas eu
escolheria três outras maneiras: compartilhando nossa fé com
outros – incluindo nossos irmãos jesuítas – leituras espirituais e
o ministério. Neste último, nós conhecemos Cristo por meio
daqueles a quem servimos, especialmente os pobres.
b. As Escrituras
Além de irmos ao encontro de Cristo através da
comunidade, também o encontramos por meio das Escrituras.
Tive o privilégio de dirigir várias pessoas na experiência
completa dos Exercícios Espirituais. Entre eles me lembro de dois
que eram acadêmicos e ensinavam estudos bíblicos em
universidades. Nem preciso dizer que a experiência profissional
deles foi uma dádiva nos momentos em que as Escrituras eram
citadas durante o retiro. Eu também aproveito o conhecimento
deles. Por outro lado, esse conhecimento era também uma
distração, que eles reconheciam ao se depararem com a
dificuldade que encontravam para colocar de lado a análise de
uma determinada passagem da Bíblia e poderem entrar nela de
fato. Luke Timothy Johnson escreve sobre isso em Vivenciando
Jesus: Conhecendo o Coração do Evangelho.12 Um dos seus pontos
principais está contido no título: nosso objetivo não é aprender
sobre Jesus, mas sim conhecer o próprio Jesus. Claro que um
conhecimento das Escrituras é importante para nós como jesuítas
12
Luke Timothy Johnson, Living Jesus: Learning the Heart of the Gospel (New York; Harper
Collins, 1999).
19
�e pode ajudar qualquer cristão a conhecer o Senhor. Mas o intuito
dos Exercícios em geral, e de um relacionamento com Cristo em
particular, não é apenas saber sobre o Senhor Ressuscitado, mas
também conhecer o próprio Senhor Ressuscitado.
Quero oferecer algumas ideias sobre como conhecer Jesus
com a ajuda das Escrituras, especialmente dos Evangelhos.
Imagine que você tem um filho que acabou de voltar de uma
viagem de um semestre fora do país. Você manteve contato
constante com ele enquanto estava fora, e você sabe que foi uma
experiência transformadora para ele. Um dia, várias semanas
depois de ele ter voltado, vocês estão sozinhos em casa e ele
pergunta se você gostaria de ouvir mais sobre a viagem dele.
Você concorda e durante as próximas horas ele relata
acontecimentos significativos e descreve como o afetaram de
forma duradora. Enquanto ele fala, uma parte de você o
acompanha na viagem, imaginando os acontecimentos que ele vai
descrevendo, enquanto uma outra parte sua vai percebendo, em
tempo real, a transformação que aconteceu no seu filho. Em
resumo você o está conhecendo e apreciando de novo.
Sob essa perspectiva, considere os Evangelhos como a
historia do Cristo Ressuscitado. É por meio deles que passamos a
ter um conhecimento maior sobre a sua presença amorosa em
nossas vidas. A esta altura as Escrituras são bem conhecidas para
a maioria de nós. Nós as estudamos, ouvimos as leituras durante
a missa ha anos e as pregamos e ensinamos. Mas por serem tão
familiares, precisamos voltar a dirigir o nosso foco para elas –
talvez repetidamente – para conhecer Jesus mais. Uma maneira
de fazer isso, que pode trazer uma nova perspectiva e uma
profundidade maior ao significado das Escrituras, é lê-las em voz
alta a sós. A leitura das Escrituras em voz alta nos leva a pesar
mais as palavras para lhes dar a entonação e o ênfase corretos, o
que por sua vez nos traz maior significado no próprio ato da
20
�leitura. Além do mais, para ter uma experiência ainda mais intima
de Jesus através das Escrituras, tente ler os Evangelhos, em voz
alta ou silenciosamente, na primeira pessoa do singular; ou seja,
leia-os como se você fosse Jesus contando a sua própria história.
E por que não? Afinal o Jesus Ressuscitado está em você. Lembre
também que as Escrituras são a sua história divinamente
inspirada, e nós acreditamos que a sua palavra, seja
historicamente precisa nos detalhes ou não, pode nos levar à
verdade sobre quem e como ele é.
Em vários aspectos, toda a vida de Cristo foi uma tentativa
de compartilhar conosco o que era importante para ele e a
Trindade. Assim quando dizemos que as Escrituras são
inspiradas, estamos dizendo que Deus quer que saibamos essas
coisas. Ele quer que saibamos quem Cristo era e é, e o que foi e é
importante para ele. Em resumo: nos meus encontros com Cristo
– na minha oração, na minha reflexão sobre as Escrituras e na
minha vida diária – estou tentando aprender o que é importante
para ele agora para que eu possa conhecê-lo melhor, amá-lo mais
completamente, e fazer minhas as Suas preocupações.
c. Experiência Pessoal
A experiência é muito importante, mas é, claro, difícil de
descrever por ser diferente para cada um. A experiência pessoal–
nossa própria história – é simultaneamente particular e de certa
forma reveladora, já que todo relacionamento, incluindo um
relacionamento com Cristo, é único.
Quando orientam retiros, especialmente os dedicados aos
Exercícios completos, os diretores muitas vezes pedem aos
exercitantes para contarem suas histórias. Os diretores não estão
interessados em nomes, datas e CPFs, mas sim em conhecer suas
histórias espirituais – as histórias de sua relação com, e
21
�experiência de Deus. Embora conhecer as suas histórias pode
ajudar os diretores, a verdadeira plateia é a própria pessoa que
conta sua história. Assim, nosso relacionamento pleno com Cristo
não é um acontecimento específico ou uma experiência uniforme,
mas sim uma série de acontecimentos e experiências que se
conectam e provocam mudanças. No meu caso, o meu
relacionamento com Cristo mudou através das décadas – ainda
bem! – mas também possui uma continuidade.
Costumo perguntar aos exercitantes qual é a sua primeira
lembrança de Deus. Faço isso porque me lembro de uma
experiência singela porém profunda de Cristo que tive aos sete
anos. Eu tinha acabado de brincar e me divertir com alguns
amigos, na volta para casa resolvi parar e balançar no balanço
que havia no jardim dos vizinhos. Lembro de sentir que Deus
estava satisfeito por eu ter me divertido tanto. Naquele momento
não dei muita importância a essa percepção além de notar que
era uma sensação boa. Mas o simples fato de ainda me lembrar
dessa experiência a torna importante. Olhando para trás, eu
entendo o significado dessa experiência de uma forma mais
profunda – em particular, eu vejo como aquele acontecimento,
visto como uma experiência do amor e da percepção de Deus,
tanto fortalece quanto é moldado por experiências ou impressões
posteriores de Cristo em minha vida.
Reconhecer Cristo na comunidade Cristã, nas Escrituras e
através da experiência pessoal é muito importante para a nossa
relação contínua com Cristo. De forma parecida, a relação de um
casal que está casado ha vários anos tem uma história que
continua se desenvolvendo, mas aquela história também permeia
tudo que acontece. Por exemplo, um cônjuge às vezes sabe o que
o outro está pensando antes do próprio se dar conta. Essa
história – esse conhecimento – é muito importante em um
relacionamento. Assim, também, o nosso conhecimento do Cristo
– de como ele é – acrescenta imenso significado aos breves
22
�encontros que temos durante nosso dia. Alguns momentos de nos
conscientizarmos dele e de sua percepção de nós podem conter
volumes de comunicação não falada. Às vezes minha simples
percepção de estar andando com ele por um corredor muda tudo
que faço depois. Deste modo, embora não houvesse comunicação
verbal, não era preciso. Ele é amor perfeito, e mostra o que isso
significa. Só isso é necessário.
3. Vestindo o Pensamento de Cristo
Ocasionalmente encontro casais de idosos que parecem ter
semblantes idênticos. Olhando com atenção vejo que não são de
fato iguais; mas acho que se conhecem tão bem e convivem tanto
que passam a ter as mesmas expressões faciais e respostas
físicas, o que os torna parecidos. Não chega a surpreender que
depois de muitos anos de alegrias e tristezas, mas acima de tudo
compromisso e amor, os cônjuges passaram a “vestir” o
pensamento do outro. Afinal, eles se conhecem tão bem que não
apenas antecipam o desejo do parceiro ou parceira, como chegam
até a pensar que é o seu próprio desejo.
Da mesma forma, não surpreende que à medida que o nosso
relacionamento com Cristo se desenvolve começamos a “vestir” o
pensamento de Cristo. Esta é a terminologia de São Paulo no hino
maravilhoso no segundo capítulo de suas cartas aos Filipenses
(2:5).13 À medida que passamos a conhecer Cristo, passamos a
O hino completo citado (Filip 2:5-11) segue abaixo:
“Tende em vós os mesmos sentimentos que foram em Cristo Jesus.
Ele embora sendo de condição divina,
Não julgou como um bem a ser conservado com ciúme
Sua igualdade a Deus, muito pelo contrario.
Ele aniquilou-se a si mesmo,
Assumindo a condição de escravo e
Assemelhando-se aos homens.
E sendo reconhecido como homem,
Humilhou-se ainda mais,
13
23
�saber melhor o que ele quer e como ele responde. Se passamos a
ter um relacionamento com ele, então da mesma forma que
aquele casal, queremos ver as coisas como ele as vê e responder
como ele responde.
É claro que só poderemos fazer isso perfeitamente quando
atingirmos a plenitude de Seu reino; porém costumamos rezar
um oração que resume bem o pensamento de Cristo. Nela
pedimos para querer o mesmo que Cristo quer. Essa oração é o
Pai Nosso. Pediram a Jesus que nos ensinasse como rezar, e o que
ele fez foi nos dar uma lista de coisas para as quais rezar. Bendito
seja o Vosso nome: que desejemos apenas o verdadeiro Deus, e
não deuses inferiores como dinheiro e poder. Venha a nós o Vosso
reino, seja feita a Vossa vontade: que amemos a Vós e uns aos
outros, que é o verdadeiro sentido do Reino. O pão nosso de cada
dia nos dai hoje: notem que é “nos dai” e não “me dai”; e assim
rezamos para que os frutos desta terra sejam dados a todos.
Perdoai as nossas ofensas como nós perdoamos a quem nos tem
ofendido: aqui voltamos a rezar pela plenitude do Reino, onde
todos se reconciliam uns com os outros e com Deus. E finalmente,
“não nos deixais cair em tentação”: que não sejamos desviados do
caminho por desejos menores.
A mais simples porém mais profunda descrição de vestir o
pensamento de Cristo são estas estrofes do hino de São Paulo:
Fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz!
Por isso Deus o exaltou grandemente,
Ele lhe deu um nome
Que está acima de todo nome,
Para que ao nome de Jesus
Se dobre todo joelho,
No céu, na terra e debaixo da terra.
E toda língua proclame,
Para a glória de Deus Pai,
Jesus Cristo é o Senhor!”
24
�“Ele embora sendo de condição divina, não julgou como um bem
a ser conservado com ciúme sua igualdade a Deus, muito pelo
contrário. Ele aniquilou-se a si mesmo, assumindo condição de
escravo, e assemelhando-se aos homens.”(Filip. 2:6-7). A
continuação do hino descreve como Cristo continuou a se
esvaziar a si mesmo na cruz, mas conclui com ele voltando a ser
preenchido com a sua divindade.
Este esvaziamento e final preenchimento é talvez a melhor
forma de descrever a mente de Cristo. Portanto não deve
surpreender que, quantos mais frequentes sejam os nossos
encontros com o Senhor Ressuscitado, mais profundamente nos
conectamos com ele, aprendemos os seus caminhos e mais
encontramos o convite e a graça de nos desapegarmos de nossos
próprios egos. Em outras palavras, à medida que me conecto mais
com ele, posso descobrir que, por exemplo, enquanto o imagino
ao meu lado ao andar no corredor para fazer uma apresentação,
as palavras que competem com a Palavra pela minha atenção são
apagadas. Ou talvez, ao dirigir em uma estrada e me concentrar
em sua presença e sua consciência de mim, eu busque ceder
espaço para que um carro que entra na estrada pela direita possa
passar na minha frente. Ou ainda, ao preparar uma homilia, eu
me preocupe menos em proferir a melhor de todas as homilias e
me concentre mais no que Jesus, meu “alter-ego”, quer que o seu
povo escute.
Santo Inácio finaliza os Exercícios Espirituais com a
Contemplação para Alcançar o Amor Divino. O elemento central
da Contemplação é o Suscipe, que começa com, Tomai, Senhor, e
recebei.14 Esta oração, que vem depois que o exercitante já
ponderou sobre todos os dons que ela recebeu de Deus, é uma
expressão simultaneamente de esvaziamento – Tomai, Senhor, e
14
Ex. Esp. 234
25
�recebei – e de ser preenchido – dai-me somente o seu amor e a sua
graça.
Cristo comunica o que é importante para ele pessoalmente
ao nos mostrar o quanto ele nos ama, ao compartilhar o que ele
está pensando – o que importa para ele – e ao nos convidar para
“vestir” o seu pensamento e assim pensar e sentir como ele.
Apesar de os rápidos encontros relacionados aqui não darem
tempo para a leitura das Escrituras, ou para refletir sobre o que
aprendemos sobre Cristo através da comunidade cristã, ou
mesmo por experiência própria, notem que trazemos uma
percepção pré-concebida de Cristo para essas experiências – da
mesma maneira que bons amigos trazem a história de seu
relacionamento para cada novo reencontro. Esse encontro se
constrói sobre o passado, baseando-se nele para se tornar mais
significativo, podendo trazer um significado mais rico para a
história em si.
C. Palavras de Promessa
Ao final do almoço, Jorge e Tom fazem uma promessa
implícita de levar a sério o que cada um compartilhou e de
continuar a amizade. Agora suponhamos que alguns dias depois
daquele almoço eles se encontrem por acaso no centro da cidade
ao meio-dia, ambos andando apressados em direções opostas da
calçada cheia. Surpreso, Jorge vê Tom vindo em sua direção e
exclama, Tom! – que, também surpreso, responde, Jorge! Tom
imediatamente diz a Jorge: “Tenho rezado pela sua esposa – como
é que ela está?” “ Vai ser operada na semana que vem.” “Vou
continuar rezando.” “Obrigado, e boa sorte para o seu filho
conseguir o emprego de professor.” “Se cuida.” “Te ligo.” Este
rápido encontro tem todos os elementos de um breve encontro
com Cristo. No inicio, o reconhecimento imediato e a percepção
do outro. Depois, o foco no sentimento pessoal que cada um
26
�comentou no almoço. Em seguida, uma promessa para o futuro,
de continuar a valorizar esse sentimento e de voltarem a se
conectar.
Lembremos aqui que Cristo prometeu estar sempre
conosco, e que a qualquer momento que o encontramos, essa
promessa é cumprida e também renovada. Tanto em nossos
encontros quanto em nossas orações, nós também queremos
fazer uma promessa. Raramente seria simplesmente dizer: Eu
prometo voltar a Te encontrar, apesar de isso poder ser suficiente.
Nossa promessa seria melhor expressada se utilizássemos uma
versão resumida da sugerida por S. Inácio nos Exercícios, para
terminar um sessão de oração com um colóquio: “Fazer um
colóquio é falar exatamente como um amigo conversa com
outro.”15 Comentando o colóquio para a Segunda Semana ele
acrescenta: “Segundo a luz que recebi, eu rogo pela graça de
seguir e imitar Nosso Senhor ainda mais de perto.” 16 Em outras
palavras, nós queremos buscar nossas palavras de promessa
naquilo que acabamos de experimentar em nosso encontro com o
Senhor. Mas isso não é diferente do que Tom e Jorge fizeram ao
final do seu almoço ou quando se cruzaram na calçada
movimentada!
Resumindo: ponha algo em palavras – seja um pedido, uma
descoberta, um agradecimento. Depois, não ensaie as palavras
com antecedência, fale de uma vez, mas com palavras verdadeiras
em frases completas, dando sentido ao todo. Apesar das nossas
experiências mais profundas – incluindo nossas experiências de
Deus – transcenderem as palavras, nós precisamos delas para
entender essas experiências e conectá-las com o resto de nossas
vidas. Por isso S. Inácio sugere o colóquio após a oração nos
Exercícios, e por esse motivo eu proponho que encerremos
15
16
Ex. Esp. 54
Ex. Esp. 109
27
�nossos encontros com Cristo – incluindo nossas orações diárias –
com palavras.
IV. A Imaginação e o Cristo Ressuscitado
No início deste artigo descrevi a conexão com o Cristo
Ressuscitado como uma conscientização de que ele está ciente de
nós. Entretanto, até agora não dei atenção à pergunta, Com o que
ou com quem estou me conectando? A resposta óbvia é que
estamos nos conectando com o Cristo Ressuscitado. Mas ninguém
sabe a verdadeira aparência do Senhor Ressuscitado; e sobre
vários aspectos, como ele é Deus, não podemos vê-lo como é. É aí
que a nossa imaginação entra em jogo. Mas esta não é
tipicamente a mesma imaginação que usamos ao fazer os
Exercícios Espirituais.17 Nestes breves encontros que descrevo
aqui, nossa imaginação geralmente foca diretamente no Senhor
Ressuscitado, e normalmente não voltamos às cenas do
Evangelho a não ser para nos lembrarmos delas como parte
relevante da vida do Senhor Ressuscitado.
Para entendermos melhor, vamos considerar os trechos que
relatam a Ressurreição. Em todos esses trechos há a sensação de
uma presença que não é imediatamente reconhecida pelos
presentes na cena. Em seguida, Jesus faz algo para associar aquela
presença às memórias que os discípulos tinham dele antes de
morrer. Assim, por exemplo, na margem do mar de Tiberíades,
Jesus fala para os discípulos que estão pescando: “Rapazes, já
pescastes alguma coisa?” (João 21:4). Quando a resposta é
negativa, ele diz: “Lançai a rede à direita da barca e achareis!”
Ver, por exemplo, o Segundo Prelúdio da contemplação da Encarnação e da
Natividade (Ex. Esp.112) ou os três pontos para a mesma contemplação (Ex. Esp.114116). Na quinta e última contemplação para a Encarnação e a Natividade, S. Inácio
especifica o uso da cada um dos sentidos exceto o paladar (Ex. Esp. 122-25). Ele quer
que entremos na cena do Evangelho com a nossa imaginação.
17
28
�(João 21:6). Eles fazem isso e a rede transborda de peixes. Então,
com essas palavras familiares que lembram o chamado para os
primeiros discípulos, o discípulo a quem Jesus amava exclama: “É
o Senhor!” (João 21:7). Da mesma forma, os outros trechos sobre
a Ressureição também sugerem que o Senhor Ressuscitado a
princípio não é reconhecido mas em seguida faz algo que
possibilita aos discípulos ligarem aquela presença com suas
memórias de Jesus antes de morrer – por exemplo, “Maria!” (João
20, 16), “Coloca aqui o teu dedo” (João 20, 27), e no partir do pão
(Lucas 24, 30-31.35).
Aqui surge a pergunta: porque não o reconhecem
imediatamente? Para responder esta pergunta, devemos lembrar
que o Cristo Ressuscitado está pleno em sua divindade, e que,
segundo a antiga tradição israelita, nós não podemos ver Deus
face a face e sobreviver (Êxodo 33, 20). Na primeira carta de João,
ele nos diz que depois da nossa ressurreição, nós nos tornamos
semelhantes a Deus porque contemplamos Deus face a face (1
João 3, 2). Mas no momento presente nós não podemos ver Deus
ou o Cristo Ressuscitado diretamente. É demais para o ser
humano. Então essa presença precisou ser reduzida, por assim
dizer, para algo mais compreensível para os discípulos.
Estimulados por palavras ou ações de Jesus que remetem às
memórias que têm dele antes de morrer, eles conseguem ver uma
versão glorificada do Jesus que lembram. Será que o Cristo
Ressuscitado ajustou suas imaginações para ajudá-los? Não
sabemos; mas o que sabemos é não havia nenhuma maneira que
eles poderiam ter compreendido a plenitude do Cristo
Ressuscitado como ele realmente é.
Aqui está um ponto importante que pode ajudar nos nossos
encontros com o Senhor. Será que o Cristo Ressuscitado estava
plenamente presente para os discípulos? Com certeza. Mas o
Cristo Ressuscitado também estava do outro lado do universo e
29
�além: ele estava à direita da mão do Pai; ele estava e está em toda
parte. Na verdade, o Cristo Ressuscitado está tão presente para
cada um de nós a qualquer hora e em qualquer lugar como ele
estava para os discípulos logo após a Sua Ressureição. Assim,
dizer que ele está menos presente em qualquer lugar seria negar
a sua divindade.
Isto significa que podemos e talvez devemos usar a nossa
imaginação para ajudar a nos conscientizarmos de sua presença
constante. E se a sentirmos como uma presença amorosa, não
estamos enganados, pois sabemos que Deus é amor (1 João 4:8).
O que não quer dizer que a sua presença não seja desafiadora,
profética, ou, às vezes, desconfortável para nós. Tampouco é
necessário ter imagens idealizadas de sua presença: não
precisamos imaginar a cor de suas sobrancelhas ou o
comprimento do seu cabelo; focar nesse tipo de detalhe pode até
atrapalhar. Nosso encontro requer simplesmente a sensação de
uma presença amorosa que está profundamente consciente de
nós e que nos ama mais do que somos capazes de imaginar.
Assim, ao desenvolver nossa relação com Cristo, precisamos
deixar que a imaginação nos ajude ao longo do dia, e não apenas
na oração formal. Por exemplo, suponhamos que eu estou
sentado no meu quarto ou escritório, com um tempo disponível
antes de sair ou ver alguém. Posso tirar um minuto para imaginar
sua presença no quarto, me conscientizar que ele me percebe
amorosamente, talvez me tornar brevemente ciente de suas
preocupações e esperanças para mim e o nosso mundo, e depois
finalizar com um rápido agradecimento ou um pedido para sua
ajuda ou uma graça específica. Toda a sequencia levaria apenas
alguns segundos, e alguns dos nossos pensamentos podem nem
precisar de palavras. O que importa é que por mais rápido que
seja o encontro, nos conectemos com o Senhor. Se fazemos isso
vez por outra ao longo do dia, estimulamos nossa conscientização
30
�da sua presença nas nossas vidas e aumentamos a nossa
compreensão do que nosso relacionamento com ele significa.
Apesar de ser desnecessário ter representações idealizadas
dessa presença amorosa, imagens podem ajudar e de fato ajudam
a nos conectar com o Cristo Ressuscitado. E apesar de existirem
inúmeras imagens da presença do Cristo Ressuscitado, pode ser
de ajuda aqui estabelecer três categorias, baseadas nas três
principais festividades do período da Páscoa – Páscoa, Assunção e
Pentecostes – para ilustrar cada tipo com um ou dois exemplos. A
Páscoa nos apresenta imagens do Cristo Ressuscitado próximo de
nós, fazendo parte e envolvido no nosso mundo. Jesus está
falando conosco, andando ao nosso lado, nos ajudando a pescar,
comendo conosco, e tudo mais. Isso sugere uma abundancia de
imagens do Cristo Ressuscitado nas nossas vidas diárias. Ele está
presente neste aposento comigo; ele está dando um passeio
comigo; ele está dentro do meu carro comigo; ele me acompanha
quando ministro. Suponha, por exemplo, que eu estou dirigindo
sozinho para algum lugar. Porque não tirar alguns instantes para
me conscientizar de que ele está ali e me percebe? Eu poderia
talvez esticar a minha mão e imaginar estou segurando a dele.
Devo confessar que esse gesto específico me tornou mais
educado ao volante, e já fui taxista! Ou por um instante imaginar
que ele está andando ao seu lado enquanto você percorre o
corredor: deixe que alguns pensamentos bons venham, e
agradeça a ele pela sua presença. Às vezes misturo as imagens. Eu
o imagino comigo em algum lugar e ao mesmo tempo o imagino
chorando sobre Jerusalém, nesse momento como “Jerusalém”
sendo todas as partes do mundo moderno que são devastadas
pela fome e a violência.
A Ascensão traz um conjunto de imagens completamente
diferentes. De acordo com a Ascenção, onde está Jesus e o que ele
está fazendo? No Kyrie nos dirigimos ao Cristo Ressuscitado
31
�dizendo, Senhor, que intercedeis por nós junto do Pai, tende
piedade de nós. Muitos de nós tivemos a experiência de precisar
chegar a alguém com poder ou autoridade. Se precisamos de um
favor de uma pessoa muito importante e um amigo nos diz: Vou
jantar com ela amanhã à noite e vou transmitir suas preocupações
para ela, ficaríamos muito gratos. Bem, então, nós temos o Senhor
do universo intercedendo por nós neste instante no coração da
Trindade! Por esta razão, eu tenho certeza que a Trindade está
amorosamente consciente de mim e das minhas preocupações, e
isso está exemplificado na imagem de Jesus intercedendo por
mim. Então, por exemplo, quando estou seriamente doente
sentindo o isolamento que costuma vir com a doença; eu tiro um
momento para me conscientizar da presença de Jesus e me
conectar com ele, ciente de que a mesma presença está me
representando no coração da Trindade. Isso não vai
necessariamente afastar a minha doença, mas aprofundar a
minha conscientização de seu amor por mim e me conceder uma
apreciação mais profunda de sua compaixão avassaladora.
Finalmente, Pentecostes oferece outro conjunto de imagens.
Se a Ascensão nos eleva ao coração da Trindade, então
Pentecostes traz a Trindade para dentro de nossos corações. Aqui
posso imaginar o Cristo Ressuscitado fazendo sua morada dentro
de mim. Lembro que vários anos atrás, durante um retiro em uma
velha casa de fazenda nos arredores de St. Louis, me senti
inquieto durante um dos meus períodos de oração e decidi andar
por um pequeno vale para encontrar o Cristo Ressuscitado. Ao
me aproximar do local do encontro, tive a sensação de algo se
movendo atrás de mim à esquerda. Pode ter sido qualquer coisa,
um animal, a brisa movendo um galho, o que fosse – mas escolhi
dizer ao Senhor, bem, obrigado, Você está a caminho para me
encontrar. Quando cheguei ao lugar do encontro parei,
esperando ele chegar. Nada aconteceu. Depois de dois ou três
minutos, comecei a voltar morro acima. Disse ao Senhor: bem,
32
�pelo menos Você me deu aquele leve movimento enquanto eu
estava descendo. Imediatamente um pensamento veio na minha
cabeça: Ed, onde você acha que eu tenho estado todo esse tempo?
Sim, aí dentro de você! Aquela experiência permaneceu comigo, e
muitas vezes imagino o Cristo Ressuscitado dentro de mim e às
vezes dentro dos que estão à minha volta. A experiência do meu
retiro levou vários minutos, e no meio de uma oração formal,
apesar de inquieta. No entanto, normalmente essa sensação de
ele estar dentro de mim dura apenas alguns segundos, sempre
iniciando com minha conscientização de que ele está dentro de
mim e ciente de mim.
V. Uma Resumo Prático
Já que Jorge e Tom serviram como exemplo de um tipo de
relacionamento pessoal, vou convidá-los a nos levar por alguns
breves encontros com o Cristo Ressuscitado.
Jorge está dirigindo seu carro a caminho de um simpático
restaurante italiano para almoçar com Tom. Ele estava
conversando com a sua mulher sobre a recente consulta que eles
fizeram ao médico por causa do câncer dela, a preocupação com a
saúde dela pesa na sua mente. Ele decide se encontrar com o
Senhor. Começa por se conscientizar de que Cristo está muito
ciente dele e sentado ao seu lado no carro. Ele pode até estender
a mão e imaginar que está tomando a mão de Cristo. Com ou sem
palavras, ele transmite suas preocupações a Cristo e imagina
Cristo envolvendo a ele e sua esposa. Ele então coloca a sua
preocupação e seu pedido a Cristo em palavras de fato e agradece
a Cristo por sua compaixão.
Tom está no seu escritório esperando a chegada de um
colega de trabalho. Ele tira um instante para se tornar ciente da
presença amorosa de Cristo e de sua consciência dele. Ele se
33
�envolve nessa conexão por um momento, escuta o seu colega
vindo no corredor, e se vê pedindo pela compaixão amorosa de
Cristo para Jorge e a sua esposa.
Mais tarde naquele dia, Tom está andando para o seu carro.
Ele decide imaginar que o Senhor está andando com ele. Ele se
faz ciente de que Cristo está ali e amorosamente consciente dele.
Ele não tem um compromisso definido e simplesmente tem
prazer na ideia de estar andando com o Senhor. Isso dura algum
tempo, porque o carro está a uma certa distância e porque o
percurso é fácil e sem distrações, apesar de Tom ficar um pouco
distraído ao tentar manter o passo com Cristo. Ele finaliza o
encontro expressando sua gratidão a Cristo por estar com ele.
Finalmente, no início da tarde, Jorge está sentado no seu
escritório pensando sobre o câncer de sua mulher, preocupado
com o que fará se for fatal. Como vai sobreviver sem ela, e as
crianças? Ele se vira para Cristo como fez antes, se
conscientizando. Ele imagina a compaixão de Cristo por sua
esposa e também por ele e os filhos. De alguma forma a imagem
terrena de Cristo chorando por Jerusalém entra na sua mente, e
com isso a ideia de todo o sofrimento terrível que as pessoas
estão sentindo no mundo naquele momento entra no seu
pensamento. Por um instante ele se pergunta: como pode Cristo se
preocupar comigo e com a minha família quando tanto sofrimento
trágico está acontecendo em toda parte? E no entanto ele sabe que
o amor e compaixão de Cristo por sua família é real. Ele conclui
pedindo ao Senhor para ajuda-lo a esvaziar-se mais
completamente de si mesmo para que ele possa amar sua mulher
e seus filhos da forma que precisam ser amados, e não se
preocupar consigo mesmo.
34
�VI. A Oração Regular
O foco deste artigo é a conexão com Cristo por meio de
encontros curtos ao longo do dia. Muito do que escrevi se
aplicaria a uma oração mais longa também, mas esse não foi o
meu tema principal. Entretanto não quero deixar a impressão de
que a oração regular diária mais longa não é importante. A oração
regular desempenha um papel essencial na nossa relação com
Cristo, da mesma forma que encontros demorados ou tempo
junto são importantes em qualquer relacionamento humano. Vou
mencionar duas maneiras em que nossa oração regular também
serve como âncora para encontros mais breves.
Primeiro, precisamos ter calma em nossas vidas para
chegarmos mais rapidamente a esses encontros breves. Isso não
significa que precisamos de um período de silencio antes de
começar o encontro, mas que necessitamos de um silencio
interior para que possamos nos conscientizar de Cristo sem
muito barulho de fundo. É como ser capaz de ouvir alguém que
quer falar sobre algo sério. Precisamos ficar quietos para escutar,
e nossa oração regular mais longa ajuda muito a criar o silencio
interior necessário para ouvir ao outro e para nos
conscientizarmos de Cristo com mais frequência ao longo do dia.
Segundo, a oração regular não apenas possibilita esses
encontros, como também nos ajuda a construir nossa relação com
Cristo tanto durante, quanto além desses encontros. A oração
regular nos da a oportunidade de ponderar sobre Cristo, o que
difere um pouco de conectar com Cristo. Significa tomar tempo
para absorver quem ele é e como ele está comprometido com a
minha vida e no mundo ao meu redor. Luke Timothy Johnson
compara “conhecer a sua mulher” a “conhecer Cristo”, e dois
aspectos que ele considera pertinentes a ambos os
35
�relacionamentos são “atenção” e “meditação”.18 Ponderando ou
contemplando Cristo, seja pelos relatos das Escrituras ou de pela
sua presença em nossas vidas diárias, não pode acontecer de fato
com frequência em nossos curtos encontros. Precisamos de
tempo e espaço para absorver a realidade do amor e da vida de
Cristo, e vestir a mente de Cristo. A oração regular e a quietude
são essenciais para isso.
Podemos acrescentar o uso de elementos de conexão,
significado compartilhado, e palavras de compromisso em nossa
oração regular também. Conectar por me conscientizar de que ele
está ciente de mim é sempre uma boa maneira de começar a
oração, e dizer algo em uma frase completa é uma boa maneira de
encerrar qualquer tipo de oração. E existem inúmeras formas de
compartilhar sentimentos pessoais. Rezar por meio das
Escrituras é quase sempre deixar o Senhor compartilhar o
significado da sua vida comigo, e a minha resposta ao que leio,
escuto ou recebo envolve compartilhar meu sentido pessoal com
ele.
Conectar, ou neste caso, reconectar, é também uma boa
forma de se recuperar de distrações durante a oração. Quando
percebo que minha mente se distraiu, posso voltar para onde
comecei e reconectar com Cristo ao novamente me conscientizar
de que ele é ciente de mim. Na verdade eu parei de me desculpar
pelas distrações, desde a vez que o senti rindo de mim e dizendo
“Vamos lá Ed, pare de focar em você e olhe para mim! Aliás, apenas
permanecer na conscientização de que ele está ciente de mim e
ficar com aquela imagem ou pensamento pode às vezes ser todo o
conteúdo da oração regular, mesmo se provavelmente será
necessário reconectar periodicamente e voltar se houver
distrações.
18
Johnson, Living Jesus (Vivendo Jesus), 60-74.
36
�VII. Algumas Considerações Pessoais
Um perigo ao escrever sobre espiritualidade é que sempre
faz parecer que a vida espiritual é mais organizada do que é de
fato. Esclarecer pensamentos sobre a experiência humana
costuma requerer organizar as coisas em categorias para então
apresenta-las de forma ordenada. Infelizmente, a experiência real
nem sempre se encaixa nas categorias e definições que
apresentamos. Não há duas pessoas que rezam da mesma forma e
muito provavelmente uma experiência de oração nunca se repete
da mesma forma, nem para a mesma pessoa. Tendo dito isto, me
permita fazer algumas observações sobre a minha experiência
desses encontros breves.
Nas páginas anteriores discuti a conexão com o Cristo
Ressuscitado durante curtos períodos de tempo ao longo do dia.
Apesar do começo desta prática parecer artificial, torna-se mais
natural ao ser praticada. Após um tempo passamos a desenvolver
uma sensação da presença de Cristo ao fundo, mesmo quando
não focamos nele. Nem todo encontro será necessariamente uma
intensa sensação de presença e amor. Por vezes pode parecer
mais forçado e até relutante da nossa parte, quando em outras
pode ser ainda mais intenso. Às vezes pode parecer que ele está
tomando a iniciativa mais do que eu, enquanto outras vezes
preciso forçar – como em relacionamentos humanos em geral. E,
enquanto secura e distração não conhecem limites, devemos
lembrar que o valor está não apenas em cada encontro individual,
mas no relacionamento como um todo, e que os benefícios são
incomparáveis. Assim, aos poucos cresço na convicção de que
nunca estou sozinho, e que mesmo em tempos sombrios posso
confiar que o sentido pleno e a realização da minha vida está
tanto ao meu lado quanto dentro de mim.
37
�Não sei dizer quanto tempo duram esses encontros para
mim. Geralmente duram pouco – segundos – mas sei que por
vezes levam mais tempo; e às vezes – especialmente quando
estou dirigindo - muito tempo; ou mais especificamente, eles vão
e voltam durante um período mais longo. Também não sei dizer
com que frequência faço isso ao longo de um dia, não que sejam
tantas vezes que não consigo contar! Meu instinto me diz que
nunca devo começar com um número específico em mente;
minha meta deve ser apenas de fazer e depois ver o que acontece.
É interessante notar que não consigo me lembrar quando ou
mesmo porque comecei a praticar esses encontros na minha vida.
Só comecei a refletir sobre o exercício nos últimos anos, apesar
de saber que eles começaram muito antes.
VIII. Com Gratidão para Ele
Antes de entrar na Companhia de Jesus eu não era uma
pessoa que se dedicasse a rezar. Ia para a missa no domingo, e
nisso se resumia a minha prática religiosa. A minha vocação
surgiu do nada e não esperava permanecer nos jesuítas. Porém
desde a primeira noite dos Exercícios, que naquela época
fazíamos em outubro, tudo mudou. O retiro em si foi uma
revelação extraordinária para mim. Se ao entrar no retiro eu
tinha pouco ou nenhum conhecimento sobre Cristo, saí com uma
visão muito diferente. Certamente muito ainda iria mudar na
minha vida com o passar dos anos, e muito ainda precisa mudar.
Mas quando saí dos Exercícios naquela primeira vez, senti que eu
havia sido transformado, apesar de saber que era apenas o
começo.
Um dia, provavelmente várias semanas após o fim do retiro,
eu estava na vila dos noviços perto do noviciado. O tempo estava
nublado ha alguns dias, o que não é comum para St. Louis naquela
época do ano, parecia que não víamos o azul do céu ha semanas.
38
�Enquanto caminhava do lado de fora, as nuvens abriram um
pouco e manchas de azul apareceram. Fiquei muito
entusiasmado! Apesar do sol não ter aparecido, me senti como se
tivesse sido transportado para um pedaço do paraíso. Enquanto
admirava o céu, veio o pensamento de comparar isso com a
minha nova experiência de Cristo. Mesmo que fossem apenas
algumas manchas de azul, elas eram maravilhosas comparadas
com a ausência de azul anterior. Pensei na semelhança com a
minha relação com Cristo: antes não havia nada; mas agora, até
este pouco era maravilhoso.
Tem havido momentos difíceis nos meus anos como jesuíta,
como acontece com todos. Houve dias em que o céu pareceu
ainda mais escuro do que apenas nublado com uma luz tênue.
Talvez esses períodos sejam necessários para nós, à medida que
precisamos aprender a amar, confiando na presença amorosa de
Deus apesar de não a sentir. Sem dúvida contribuí para trazer a
escuridão. Porém nestes últimos anos da minha vida, o sol
aparece com frequência; e apesar do céu não estar totalmente
limpo, certamente há muito azul. Não saberia dizer se a prática
desses encontros frequentes com Cristo foi o motivo, ou se o
próprio Deus causou esses encontros ao aumentar a sua luz.
Talvez, como acontece com tanto na vida, sejam as duas coisas.
De qualquer forma, continuarei com os encontros diários porque
sei que ele está aqui, porque confio no seu amor por mim, porque
gosto do fato de que ele está começando a diminuir o ego em mim
(um pouco!), e acima de tudo porque sou grato pela enorme
alegria que tem sido este seu dom maravilhoso.
39
�
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Dublin Core
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Title
A name given to the resource
<span style="color:#aeb6bf;">[E]</span> <strong>Dimensão espiritual</strong> | <strong>Dimensión espiritual</strong>
Description
An account of the resource
<ul><li>Itens referentes a espiritualidade em geral</li>
<li>Materiais de estudo sobre a espiritualidade inaciana, incluindo os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.</li>
</ul>
Subject
The topic of the resource
Dimensão espiritual | Dimensión espiritual
Espiritualidade inaciana | Espiritualidad Ignaciana
Language
A language of the resource
pt
es
Rights
Information about rights held in and over the resource
<a href="https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/deed.pt" target="_blank" rel="noreferrer noopener">CC BY-SA</a>
Dublin Core
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Title
A name given to the resource
Encontros Pessoais com Jesus Cristo
Creator
An entity primarily responsible for making the resource
Kinerk, Pe. E. Edward , SJ
Date
A point or period of time associated with an event in the lifecycle of the resource
outono de 2016
Subject
The topic of the resource
Espiritualidade inaciana | Espiritualidad Ignaciana
Description
An account of the resource
Acredito que este livro breve, ‘Encontros Pessoais com Jesus Cristo’ escrito pelo Pe. E. Edward Kinerk, SJ pode ajudar muitos cristãos leigos a desenvolver uma vida espiritual de maior amizade e intimidade com Jesus ressuscitado. É o número 48/3 (outono de 2016) da série Estudos na espiritualidade de jesuítas (Studies in the Spirituality of Jesuits), publicados pelo Instituto para Estudos Jesuítas Avançados em Boston College, e disponível no site https://www.bc.edu/bc-web/centers/iajs/digitalprojects/Studies-in-the-spirituality-of-Jesuits.html. Esta série de Estudos é dirigida a jesuítas, mas muitos fascículos têm grande utilidade para leigos também, especialmente leigos de espiritualidade inaciana.
Language
A language of the resource
pt-BR
Publisher
An entity responsible for making the resource available
Conferência dos Jesuítas de Canada e dos Estados Unidos Washington, DC, EUA
Contributor
An entity responsible for making contributions to the resource
Tradução: Anna Margarida Nogueira
Format
The file format, physical medium, or dimensions of the resource
PDF e Word
Type
The nature or genre of the resource
Livro
Source
A related resource from which the described resource is derived
Studies in the Spirituality of Jesuits 48/3 (outono de 2016) Conferência dos Jesuítas de Canada e dos Estados Unidos
Washington, DC, EUA
Rights
Information about rights held in and over the resource
Pode ser copiado e divulgado livremente, desde que seja incluída a atribuição à Studies in the Spirituality of Jesuits, mas não pode ser vendido
Contemplação para Alcançar o Amor | Contemplación para alcanzar el amor
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